terça-feira, 14 de setembro de 2010

Crianças no divã

             O que vou escrever não é baseado em experiência própria. Não tenho filhos e já me parece meio tarde para pensar nisso. Mas observo. E o que vejo são crianças sendo encaminhadas para consultórios de terapia ainda com o bico na boca. A dificuldade em lidar com certas situações, mesmo que corriqueiras, tem levado pais aflitos a terceirizar a solução de todo e qualquer problema. Não deve ser fácil mesmo. Essa garotada parece que já nasce com um radar acoplado no corpo. Eles perguntam sobre tudo e são cheios de vontades e certezas. A angústia de saber como bem educá-los, somada à falta crônica de tempo, faz com que os ajustes para o desenvolvimento de uma psique saudável passe para a mão de profissionais.
             Não coloco em dúvida a qualificação dessas pessoas que se debruçam sobre os dilemas infantis. A questão é outra. A busca pela resolução desses pequenos dramas domésticos precisa passar sempre pela avaliação de um especialista? Está ruim? Simples, uma hora por semana com fulano de tal. Sem contar que muitas vezes questões minúsculas levam à crença de que por trás disso há um grande drama que precisa ser resolvido. Imediatamente. Aí os genitores desesperados começam a ser assombrados pela mais terrível das ameaças: a culpa por frustrar essas indefesas criaturinhas. Pois é o que de melhor se pode fazer por um ser que está começando a mapear o mundo. Blindá-lo com alguma resistência para quando, na idade adulta, ele for construindo sua história pessoal. De outra maneira, como exigir que ele encontre força interior para não sucumbir diante da menor adversidade? Nem sempre podemos ter alguém ao nosso lado para nos apontar a melhor direção.
             Nutro grande simpatia pela ideia de as pessoas (salvo alguns afortunados que já nascem com uma propensão para a alegria imoderada) frequentarem um terapeuta em algum momento da vida. Muitas vezes é difícil fazer um luto sozinho, elaborar a perda de um amor ou de amigos, encontrar significação para uma existência que parece desprovida de sentido. Conheci pessoas que se reinventaram completamente depois dessa imersão. E estou cada vez mais convencido de que não existe a melhor linha de tratamento e muito menos uma que não funcione para ninguém. Cada um vai ter que garimpar o que mais se adapta a sua visão e às expectativas que pretende colocar em mãos alheias. A extensão do mergulho vai depender da coragem e da vontade de cada paciente.
             Minha implicância é com o fato de não estarmos mais deixando as crianças enfrentar situações de conflito sozinhas. Ou somente com a ajuda dos pais. Tudo precisa ser conforme preconiza a cartilha dos bons educadores. Que inúmeras vezes estão longe de servir de modelo para a formação alheia. Diga-se de passagem, isso também vale para certos psicólogos e psiquiatras, confortavelmente sentados em suas poltronas. É provável que muitos casos ditos patológicos nem precisassem passar por constantes escrutínios. Várias coisas se ajustam com o simples passar do tempo. Mas ficou mais fácil pagar do que ir acompanhando o que acontece a nossa revelia em cada fase da vida. Estamos desconsiderando as forças que se escondem dentro de nós.
            Crianças que não aprendem a caminhar sozinhas podem desenvolver uma paralisia psíquica difícil de detectar lá adiante. Daqui a pouco alguém vai inventar um terapeuta portátil que possa ser carregado pra lá e pra cá, pois elas não saberão mais crescer em solidão. Divã? Sim, mas só quando já estivermos com a alma alfabetizada.

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